Meu império Romano.
Qualquer cárdio parece menos cansativo do que alguns minutos de reunião com uma pessoa que você detesta. Nossa performance durante o trabalho podia queimar muitas calorias. O mundo corporativo é uma ópera angustiante e interminável onde o trabalho em si é a parte fácil. Difícil mesmo é o material humano, a selva que são os egos e hierarquias.
Os coaches e mentores de TikTok e Instagram repetem aquelas mesmas dicas de “como se dar bem na empresa”, “saia do operacional”. Essas dicas são carregadas de pressupostos tão sórdidos e perversos que nem um banho de sal grosso limpava. A gente tem consciência que o mundo não é bonito, mas haja estômago pra tanta canalhice normalizada.
Tomando como exemplo uma pessoa que, ao se apresentar durante um treinamento, disse ter como hábito a leitura e em seguida detalhou o número de trinta e cinco livros que havia lido no ano anterior. Pois bem, a gente reconhece a bagagem de uma pessoa muito lida e sinceramente, nunca foi o caso dessa pessoa leitora. Óbvio que a curiosidade estatística de leitura era apenas uma forma de subir numa pilha de autoridade. Que maneira mais besta de se descrever, mas é exatamente com essa ladainha que se ganha destaque. Bobo sou eu.
“Quem tem boca vai a Roma” ou “quem tem boca vaia Roma?”. Não acho que um seja corruptela do outro, prefiro pensar que cada um escolhe de acordo com seu próprio ímpeto e personalidade. Essa pessoa leitora a qual me referi parecia seguir um modus operandi extremo: não importa que seja uma merda, fale. Nas reuniões, diga obviedades, chuva no molhado e enxugue gelo. Use mais a boca, menos o cérebro. Com essa mágica a pessoa leitora foi promovida diversas vezes e abraçou muitos cargos, embora muita gente não fosse capaz de descrever a substância real do seu trabalho. A boca dela foi a Roma, ao Egito, Mesopotâmia, Etiópia, todo o mundo antigo. Que bom, porque se dependesse dos braços e pernas demoraria muito mais. Além disso, uma defesa inquestionável dos métodos da empresa também fazia parte da cartilha do sucesso. Chamava a atenção de colegas e recomendava evitar críticas pra não gerar pontos de reclamação. Pois é, a boca que vai a Roma cala quem vaia Roma.
As reuniões somente com a pessoa leitora cansavam meu caráter, pois num instinto tolo de sobrevivência eu desejava atuar como ela. Quando desligava a câmera, precisava tirar meu fone, beber uma água e olhar pela janela. Que missão ingrata era tentar arrancar daquela criatura alguma fala que não fosse genérica. Quando não dava um direcionamento óbvio, delegava a dúvida ou pedido para outro colega subalterno. Inclusive, durante um gargalo mais complexo, decidi perguntar ao colega subalterno diretamente pra ele levar o problema pra pessoa leitora e ela, por sua vez, jogar de volta pra ele. E batata! Assim se fez. Só me coube achar um pouco engraçado. Se for apenas pra delegar e terceirizar, prefiro consultar o Chat GPT, a versão gratuita mesmo. E eu não era o único, há muitas histórias de outros colegas.
Ao longo dos tempos, essa pessoa leitora também viu cada vez menos utilidade no que eu fazia. Aparentemente, ela não estava lendo o bastante sobre como devia funcionar o próprio setor que geria. Certo dia, junto de outros dois, fui demitido por ela, falando diretamente de sua rica estante de livros. Eu entendi bem. Eu não tinha fit cultural e toda aquela leréia. Mas o motivo desse texto não é rancor, nem nada. Só queria pontuar que a pessoa ainda existe, ainda disputa cargos altos e ainda é genérica nas atitudes e palavras, para o terror de meus colegas e amigos que ainda estão sob sua desgastante tutela. Não há vaia a Roma que revele o tamanho da farsa que é essa pessoa.
Pegando carona no recurso retórico besta que eu inventei pra esse texto, permita-me rimá-lo com a trend besta do “pergunte ao seu marido se ele pensa muito no Império Romano”. Por alguns meses a pessoa leitora foi meu império romano. Pensei em tudo pra tentar desvendar aquela mente, de repente ensaiei alguma empatia. Como ascendeu e como seria sua queda? Em todo lugar vemos exemplos de incompetentes em posições que não deveriam estar, seja por injustiça, pilantragem ou desorganização. Só me resta ir dormir pensando que Roma foi um império de pessoas notáveis. Sua queda pode ter acontecido pela prevalência inevitável de pessoas medíocres.